A cosmovisão circular africana: os elementos de
longa duração, do continente africano aos terreiros afrobrasileiros.
Prof. Odir Fontoura.
Graduando em História pela
Pontifícia Universidade Católica.
Professor do Cursinho
Pré-Vestibular Esperança Popular em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
É comum deparamo-nos, dentro e fora do ambiente acadêmico, com preconceitos e conclusões precipitadas a respeito das práticas tradicionais africanas – no seu passado e no seu presente.
É comum deparamo-nos, dentro e fora do ambiente acadêmico, com preconceitos e conclusões precipitadas a respeito das práticas tradicionais africanas – no seu passado e no seu presente.
E não é
difícil perceber a origem de muitos dos equívocos dos quais estamos
habitualmente acostumados, quando observamos mais à fundo algumas das
estruturas de mentalidade e práticas tradicionais.
Encontramo-nos
com cosmovisões e um modus vivendi totalmente
diferente de um comportamento ocidental ou moderno, cujas impressões quando não
de estranheza, geram no mínimo, fascínio – e não é com pouco esforço
empreendido que obtêm-se algum sucesso ao analisar tais impressões dos seus
mundos.
Antes de
prosseguirmos, é de suma importância definirmos dois conceitos essenciais, que
servirão de ferramentas para a desconstruções de tais interpretações
equivocadas.
Ao longo
deste artigo, muito falar-se há sobre tradição.
Em
Vansina (1981, p. 1), testemunhando especificamente os processos tradicionais
do continente africano, encontramos o conceito de que “A tradição pode ser definida, de fato, como um testemunho transmitido
verbalmente de uma geração para outra”.
Já
Aguessy (1981) desdobra essa conceituação, corroborando-a:
A
tradição, contrariamente à ideia fixista que se tem dela, não poderia ser a
repetição das mesmas sequências; não poderia traduzir um estado imóvel da
cultura que se transmite de uma geração para outra. A atividade e a mudança
estão na base do conceito de tradição. Há, pois, entre o indivíduo e o grupo,
mil laços entretecidos que permanecem indestrutíveis. É assim pelo menos que se
vive a reação indivíduo-sociedade na África. (...) As sociedades africanas
movem-se num quadro dinâmico, onde a migração dos grupos constitui
simultaneamente uma metáfora e uma metonímia significativas. Ao longo dessas
mudanças e movimentos, sinônimos de enriquecimento dialético, o indivíduo nunca
deixou de estar ligado a coletividade (AGUESSY, 1981, p. 8).
Ou seja,
rompendo com uma visão errônea de tradição como algo fixo e imutável,
visualizamos que é algo que está em constante transformação.
Afirmar
que tradições são práticas ou mentalidade inertes, é romper com a própria
dinâmica e o cotidiano africano. Mais tarde, Aguessy (1981) também complementa:
(...) A
tradição, em lugar de traduzir um período volvido na vida de um povo, em lugar
de traduzir o seu ‘ter sido’, não traduzirá antes o seu ‘ser’ permanente, não
no sentido de definição da essência de uma cultura, mas – na medida em que uma
tradução pode sempre apresentar um texto não importa em que língua – não
traduzirá a tradição. (...) Assim, a cultura tradicional faz-se, desfaz-se e
refaz-se, um sinônimo de criatividade e não de passividade. (AGUESSY, 1981, p.
12)
Mais do
que isso, para Oliveira (2003, p. 369-370), ainda que a realidade africana seja
uma realidade circundante e dinâmica, aspectos tradicionais e mantenedores de
estruturas de longa-duração não são esquecidos, cabendo ao homem africano a
adaptação dos valores recebidos pela oralidade (e pelo conjunto de práticas que
servem como as ferramentas do seu ensino) para sua respectiva permanência.
Ou seja,
a dinamicidade da vida africana não atrapalha as permanências de crenças ou
práticas, pelo contrário, fortalece-as.
Defendendo
uma concepção de tradição como algo mutável e em constante transformação, cabe
também um segundo conceito amplamente utilizado neste artigo, e ainda que
apresentado em segunda instância, não é de menor importância.
Trata-se,
então, do conceito de estrutura, particularmente
atrelado as noções de longa-duração e permanência. Braudel (2005, p. 25)
utiliza-se amplamente destes conceitos, por formulá-los inicialmente: “Por estrutura, os observadores do social
entendem uma organização, uma coerência, relações bastante fixas entre
realidades e massas sociais. Para nós, historiadores, uma estrutura é sem
dúvida, articulação, arquitetura, porém mais ainda, uma realidade que o tempo
utiliza mal e veicula mui longamente”.
Corroborando
com o conceito de estrutura, Braudel (2005, p. 31) utiliza como ferramenta a
história que rompe com a curta ou média duração, também completando: “Se a história está destinada, por natureza,
a dedicar uma atenção privilegiada à duração, a todos os movimentos da duração em que ela pode decompor-se, a
longa-duração nos parece, nesse leque, a linha mais útil para uma observação e
uma reflexão comuns às ciências sociais”.
Logo,
queremos crer que tais abordagens do conceito de tradição e utilização dos conceitos de estruturas de longa-duração são
essenciais para uma compreensão satisfatória das crenças de mentalidade,
comportamento e visões de mundo tradicionais africanas que, há muito saindo do
continente africano e atravessando o mediterrâneo, conseguiram chegar aos terreiros
de afrodescendentes dos nossos dias atuais.
Como
causas e razões dessas permanências, podemos enumerar alguns elementos, tais
como: a prática da oralidade, o rompimento de uma visão maniqueísta ou dualista
de bem x mal – tal como os entendemos em nossas concepções modernas e
ocidentais –, a recusa em crenças de evolução ou ascensão espiritual, o uso do
corpo como ferramenta do culto religioso, o reconhecimento e culto aos
ancestrais, a importância do coletivo em prol do individual, a utilização dos
ritos iniciáticos como ritos de passagem.
Todas
essas crenças e práticas podemos sintetizar em uma concepção básica e inicial:
a visão africana da morte como um ciclo e a vida respectivamente como uma
experiência igualmente cíclica e circular.
Sobre uma “filosofia africana”.
A questão
de existir ou não uma filosofia africana é antiga. Bastide (1973, p. xix)
acredita na riqueza do conhecimento produzido no continente africano: para o
autor, a cultura tradicional na África possui uma filosofia tão rica quanto à
de Aristóteles ou Platão.
Para
Aguessy (1981, p. 5): “Há, por exemplo,
um sentido lato da palavra filosofia que considera filósofo qualquer pessoa que
reflita um pouco, que se esforce por ter ideias de conjunto sobre o mundo e
relacione o seu comportamento moral com alguns elementos cosmogônicos.”
Mas
complementa logo em seguida, estabelecendo critérios para diferenciação de
conceitos: “Como se trata de uma
filosofia africana e não de uma variedade da filosofia européia, torna-se
evidentemente perigoso expressar esta forma de pensamento com as usadas no
mundo e no vocabulário europeu.” (AGUESSY, 1981, p. 6).
Sobre as
reflexões e histórias africanas que mais se aproximam das nossas concepções
“filosóficas” são o conhecimento formado através dos provérbios e do uso
dinâmico da memorização (OLIVEIRA, 2003 , p. 369), mas ainda assim são
criteriosamente diferentes de uma estrutura do que chamamos “filosofia” no
mundo ocidental.
Ainda
para Oliveira (2003, p. 370-373), não podemos entender que o conhecimento
africano chegue a constituir uma espécie de “filosofia”, pois um modelo
filosófico pressupõe noções e cosmovisão ocidental, cujos elementos como a
abstração, a teoria e a cultura escrita são essenciais - frente a uma
mentalidade tradicional africana que forma suas próprias noções práticas e
vivenciadas de forma criteriosamente diferente, e cujos mesmos requisitos acima
descritos são inexistentes, também não impedindo que o pensamento africano seja
estruturalmente capaz de organizar uma visão de mundo organizada, coerente e
norteadora de princípios éticos e morais.
O princípio da oralidade.
Sobre
esse aspecto da mentalidade na África, é provável que todos os pesquisadores
cheguem a um consenso: a oralidade é característica essencial da cultura africana.
O
importante lembrarmo-nos de que o continente africano é rico e plural por
natureza, e isso faz com que o historiador, muito frequentemente e de forma
equivocada, caia no erro das generalizações.
No que
toca às transmissões e permanências da mentalidade, sabemos é sempre resultante
da história específica de cada uma das sociedades também específicas, cuja
relação do desenvolvimento da tecnologia, das artes e arquitetura, por exemplo,
é algo que caracteriza esta pluralidade.
Aguessy
(1981, p. 2) exemplifica: “A cultura
bastante desenvolvida de Nok (...)
não produziu a mesma mentalidade que a dos Hotentotes ou a dos Pigmeus”.
Uma
sociedade cuja transmissão do conhecimento é passada oralmente é diferente de
uma sociedade que recebe sua cultura através da escrita.
No caso
africano, a escrita existiu e ainda existe em certo momento – tais como a
escrita bamun (Camarões), vai (Serra Leoa), nsidibi (Calabar, Nigéria Oriental)
ou das escritas baba emende (Serra Leoa e Libéria) são alguns exemplos – mas o
papel da atividade escrita não tem a mesma função nas sociedades ocidentais:
conclui-se, assim, que a oralidade não é dada em caráter de desconhecimento ou
incapacidade de criar um sistema de códigos e símbolos que criem a escrita,
mas, diferente disso, a oralidade é uma forma de representação da cultura e do
mundo, sendo coexistente com a transmissão escrita do conhecimento. (AGUESSY,
1981, p. 9).
Quanto ao
uso dos provérbios: “Primeiramente, os
provérbios não são obras secundárias e, além disso, revelam-se como sendo belos
‘resumos’ de longas e amadurecidas reflexões”. Aguessy (1981, p. 16-17)
ainda cita alguns exemplos dessas ferramentas de transmissão:
§ “– Um homem idoso não faz de si
próprio um objeto de escárnio das pessoas.” (Ioruba);
§ “– Um homem respeitável não deve
rebaixar-se ao nível de um garoto.” (Fó);
§ “– Os velhos do Conselho não
saltam para atravessar o rio.” (Kikuyu);
§ “– Quando um dos mais velhos
devora a comida toda com avidez, terá de ser ele a arrumar a mesa” (Ashanti).
Também
interessante notar que os provérbios, ou ditos populares, podem não refletir
necessariamente conceitos ou visões de mundo universais no continente africano,
mas por vezes, conceitos próprios de um povo ou cultura em específico.
Não é com
pouca facilidade que também concluímos que diferentes elementos podem ser
atribuídos para uma mesma mensagem, conforme mostrado acima.
Nesse
caso, para representar a valorização da velhice é utilizada uma série de
símbolos que podem variar, de uma comunidade ou região para outra. (AGUESSY,
1981, p. 16-17).
Lópes e
Nash (2003) também confirmam o elemento da oralidade e o exemplificam como
ferramenta que manifesta uma das reinversões de valores tradicionais de que
muitos compartilham ainda atualmente: a supervalorização da escrita em prol do
conhecimento oral:
O
silêncio e mutismo são a representação do conflito existente entre a escrita e
a oralidade, por a escrita se auto-afirmar a partir dos processos do
branqueamento como a sublime, e a oralidade como atrasada e caduca. Essa
afirmação faz acelerar a busca pela produção acadêmica muitas vezes irrelevante
e ao abandono da oralidade e da ancestralidade. (LÓPES; NASH, 2003, p. 19)
Por fim,
Augras (1983, p. 68) também comenta sobre a necessidade de desdobrar as
concepções da própria oralidade: “Falar
em transmissão oral é um tanto inadequado. O conceito parece por demais
limitado. A transmissão do saber iniciático faz-se por meio do canto, dos
gestos, da dança, da percussão dos instrumentos, do ritmo, da entonação de
certas palavras, da emoção que o som se exprime.”
O corpo como ferramenta.
A
incorporação dos santos por parte do médium da Umbanda dá-se como uma troca, em
uma relação de igualdade, onde ambas as esferas da existência (física e
espiritual/divina) são necessárias para a manifestação do rito religioso
(LINARES et al. 2009 p. 97): o que,
de forma alguma, rompe com o modus
operandi africano.
A
coexistência africana e afrobrasileira de elementos como as incorporações e o
uso do corpo são um exemplo da longa-duração e permanências das estruturas
tradicionais através do trânsito intercontinental.
Dentro
desse contexto, Birman (1985, p. 8) também leva em consideração a pluralidade
natural da terra brasileira: “A possessão
como uma forma particular de contato com o sobrenatural é uma referência
constante da cultura brasileira”, relacionando a crenças semelhantes do
catolicismo popular e do próprio espiritismo, de que forma ou de outra,
compartilham suas noções a respeito das incorporações, ainda que a incorporação
dentro da cosmovisão africana ou afrobrasileira tenha seus próprios critérios,
motivos, causas, procedimentos ou explicações.
Também
complementa mais adiante: “A forma de a
Umbanda se relacionar com o sobrenatural é através de uma ponta construída
penosamente por meio de mil e uma obrigações (inclusive a possessão), feitas
para agradar os orixás” (BIRMAN, 1985, p. 55).
Augras
(1983, p. 62) descrevendo crenças e práticas de comunidades nagô, utiliza-se da
concepção simbólica para evidenciar noções e visões de mundo onde colocam o
homem africano em seu respectivo lugar na relação homem-deuses-universo: “O corpo humano em si é microcosmo. Os pés
apóiam-se no concreto, no barro de onde saiu e para onde voltará, na terra que
os antepassados pisaram e à qual retornaram. O pé direito corresponde à herança
dos antepassados masculinos, e o pé esquerdo, à herança feminina”.
Aguessy
(1981, p. 21) também descreve o uso
do corpo ainda no continente africano: “As
técnicas do corpo desempenham uma função tão importante que é talvez pelo corpo
que se manifesta a divindade. Esta não é só um objeto de demonstração através
do confronto de escolas teológicas. É uma manifestação presente no regozijo
coletivo e não a conclusão de um silogismo.” – impressões que impossíveis
de serem observadas sem que o leitor se remeta aos terreiros de umbanda e
candomblé de hoje, cujo corpo do médium ou do devoto religioso é emprestado aos
orixás também como ferramenta da sua devoção.
A música e a dança.
Sendo as
práticas celebrativas representações de uma mentalidade de valorização do
terreno e do físico (corpo), é impossível deixar de discorrer sobre testemunhos
da antiguidade africana ou da contemporaneidade afrobrasileira nesse
aspecto.
Com base
nisso, Augras (1983, p. 78) também testemunha sobre a dança e o caráter festivo
dos ritos de raiz africana: “No templo, o
orixá dança logo ao chegar.” E mais adiante, também complementa: “Os deuses dançam, saúdam-se, recebem as
homenagens dos presentes (...) A festa prolonga-se noite adentro. A dança dos
orixás consagra a alegria de todos, pois o nome da celebração é xiré, festa, regozijo.” (AUGRAS, 1983, p.
79).
Na
Umbanda contemporânea, não existe a necessidade da presença da divindade para
que a música ou a dança possa acontecer – mais do que isso, é uma forma de
invocação. “Os pontos cantados, com suas
letras singelas, são formas de oração que se entoam nos trabalhos de Umbanda,
com a finalidade de se obter uma harmonia de vibrações com as entidades que se
manifestam nos terreiros e também com os Orixás. Existem ainda os pontos
cantados para trabalhos específicos, como pedidos de proteção, descarregos,
etc.” (LINARES et al. 2009 p.
161).
Uma cosmogonia africana.
A
Umbanda, ainda que uma readaptação contemporânea das práticas tradicionais
africanas, não deixa de trazer consigo elementos evidentemente de caráter tradicional,
em estrutura e de longa-duração.
Por isso,
seria impossível analisarmos uma cosmogonia africana sem levarmos em conta seus
desdobramentos atuais ou, até mesmo, uma comparação com os valores da nossa
sociedade ocidental. Birman (1985, p. 92) comenta brevemente sobre os conceitos
de evolução em espiral ou de critério evolutivo que inexistem no pensamento
tradicional africano:
Certa
vez, uma mãe-de-santo me falou que ela havia iniciado a sua vida mediúnica num
centro ‘de mesa’, mas, como era analfabeta e não tinha escola, não pôde
continuar lá. A “elevação” espiritual exigia nesse centro pessoas ‘cultas’,
capazes de receber espíritos de médicos, advogados, que são ‘mais evoluídos’ do
que os espíritos que baixam num terreiro de Umbanda. Explicitou dessa forma uma analogia entre o ‘destino’ de cada um,
propiciado pelos espíritos, e a sua situação de classe (BIRMAN, 1985, p.
92. Grifo nosso).
O rompimento com uma mentalidade
moderna.
Como já
dito anteriormente, não é com pouca dificuldade que exercemos a tentativa de
compreensão das mentalidades tradicionais.
Um dos
elementos dos quais, nós ocidentais, já estamos há muito acostumados, é a
concepção dualista e maniqueísta de bem/mal ou até mesmo Deus/diabo.
Tais
concepções inexistem dentro das mentalidades tradicionais. Eis um dos motivos
de maior dificuldade e interpretação do relacionamento que os religiosos de
matriz africana desenvolvem para com o seu objeto de culto.
O sacrifício e a oferenda: a
relação com Deus ou com os Deuses.
Sobre a
relação do devoto para com suas divindades através do sacrifício ou das
oferendas, há a necessidade de separar um espaço à parte, por exigir uma
importante atenção em termos conceituais e de critérios.
Esse
processo constitui-se de tal importância, que denunciam uma das maiores – e ao
mesmo tempo mais imperceptíveis – discrepâncias pelos motivos que veremos a
seguir.
Para
Augras (1983, p. 71): “Os orixás
alimentam-se de duas maneiras, de partes dos animais sacrificados, e dos
pratos, em que todos os temperos obedecem a preceitos específicos. (...) Além
da refeição semanal, os deuses recebem um ou mais banquetes anuais, de acordo
com suas grandes festas.”
Assim,
uma vez que os deuses precisam dos devotos, através das invocações, para
manifestar-se na vida da comunidade, os religiosos também necessitam da
presença divina para distribuição do axé [i][1]
e da
obtenção dos seus favores ou proteção.
Tal
concepção de auxílio mútuo e cotidiano inexiste dentro de uma cosmovisão
cristã, por exemplo, onde a morte do Cristo já fora o sacrifício necessário
(Pedro, 3:18), ainda que sejam feitos sacrifícios aos santos católicos por
parte do catolicismo popular – e visto com maus olhos pelo catolicismo
eclesiástico.
Mas a
cosmovisão que envolve o acender de uma vela a um santo por um cristão é
criteriosamente diferente quando feito pelo afro-brasileiro ao seu orixá.
O
primeiro faz um pedido, enquanto que o segundo compartilha.
Ainda
quanto ao elemento fetichista, Augras (1983, p. 74) dá o exemplo: “Os tambores são personagens importantes na
vida do candomblé. São considerados como seres vivos.”, bem como também
comenta antes disso que “Ao que parece, o
culto não comporta estátuas nem representações antropomorfas. O que se venera é
a pedra (otá) de cada divindade, conservada em recipiente apropriado. A pedra
consagrada não é símbolo, nem representação da divindade. É o próprio orixá”.
(Idem, 1983, p. 70).
Tais
objetos de culto também diferem do mandamento bíblico que evidencia uma
proibição de tais práticas (Levítico, 26:1).
Elementos gerais e rupturas.
A Umbanda
nasce do Espiritismo (um exemplo da típica mentalidade ocidental e moderna
baseada em concepções de evolução, progresso etc.), e justamente por ter essa
raiz, vem a romper com tais discursos de caráter elitista ou eurocentrista.
Aqui,
depoimento de um Caboclo sobre as crenças da doutrina surgida na primeira
metade do séc. XX e sua comparação com a corrente de Allan Kardec:
Deus, em
sua infinita bondade, estabeleceu na morte o grande nivelador universal. Rico
ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornam iguais na morte, mas vocês
homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos,
procuram levar essas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por
que não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se apesar de
não haverem sido pessoas importantes na Terra, também trazem importantes
mensagens do além? Por que não aos Caboclos e Pretos-Velhos? Acaso não foram
eles também filhos do mesmo Deus? (LINARES et
al. 2009 p. 23).
No que
toca a questão da possessão (BIRMAN, 1985, p. 15), na Umbanda, por exemplo, não
se expulsa um “Diabo” dos possessos – partindo do ponto de que o conceito de
“exorcismo” aqui é inadequado.
Dentro
desse sistema, aprende-se a conviver com entidades tidas pelos ocidentais como
“malévolas”, “obscuras”, “involuídas” ou qualquer outra conceituação anacrônica
que o valha.
Quanto à
figura sacerdotal africana, quando comparada com o catolicismo tradicional, por
exemplo, evidencia as diferenças discrepantes entre as duas mentalidades: O
Papa, sendo uma autoridade espiritual, é superior aos homens normais – na
Umbanda, não existe essa mentalidade, pois todo o praticante reconhece sua
capacidade de exercer contato com o mundo espiritual.
Não há a
necessidade efetiva de um intermediador entre Deus e o homem, tal como na
figura do clero católico (Idem, 1985, p. 16) – ainda que existam as figuras de pais ou mães de santo, tais personalidades desenvolvem atividades
conceitual e estritamente diferentes.
Ainda com
o mesmo autor:
Uma
característica marcante dos orixás na concepção do candomblé é que todos
pertencem à natureza. O mundo natural é dividido em domínios regidos por suas
respectivas divindades. Já o pensamento umbandista, através desse conjunto,
redimensiona a natureza e introduz espíritos pertencentes ao domínio da
‘civilização’. Cria, portanto, uma outra forma de pensar o mundo sobrenatural e
o sagrado. (BIRMAN, 1985, p. 38)
Ou seja,
partindo de uma concepção tradicional onde a natureza não é boa ou má, apenas
“natural”, logo, é fracassada a tentativa de subjugar qualquer uma destas
figuras de culto ou adoração a conceitos respectivamente ocidentais de
“bondade” ou “maldade”: elas são naturais.
Aqui,
verificamos mais uma vez uma cosmovisão plural e tradicional que, através das
permanências, ainda persiste nos terreiros de cultos afro-brasileiros.
Deus não
é diferente do Demônio, bem como não é necessário exaltar uma coisa para que
outra seja subjugada.
Na
mentalidade africana, conforme Lópes e Nash (2003, p. 15), o mundo organiza-se
de uma maneira coerente onde tudo tem o seu papel, em caráter de equilíbrio e
complementar, e suas respectivas funções:
A língua kimbundu usa o termo singular Nzambi, Deus, e o plural jizambi, deuses. Em termos de conceitos,
estão interligados entre si. Neles estão ausentes as noções de Deus supremo e
deuses inferiores. (...) Quer dizer, não há Deus sem deuses. Ambos os conceitos
representam que o muntu3 vive à sombra de ambos. Nisso está
ausente o conceito de dualidade, mas está presente o de complementaridade nas
funções, que, de uma forma, resulta em forças vitais, como Nzambi, Deus, antepassados, natureza e animais que nutrem os
fundamentos da vida, da comunidade como solidariedade, hospitalidade,
consanguinidade, parentescos (LÓPES; NASH, 2003, p. 15).
E mais,
ainda complementa Lópes e Nash (2003, p. 24): “É o que em kimbundu se diz
de maneira sutil e profunda: Nzambi uala luiadi, ‘Deus está em dois’. (...) Deus se apresenta por meio da natureza e
da comunidade”.
Dentro
dessa esfera divina, não existe um jogo de forças superiores ou inferiores, mas
semelhantes e complementares.
Em Augras
(1983, p. 55): “Os deuses participam da
vida na terra, os sacrifícios levam-lhes os pedidos dos homens. Os mortos são
filhos da terra mas se transformam em manes e voltam para aconselhar os seus
descendentes.”
O contato
com os deuses é recíproco, uma comunicação de duas vias, bem como a
participação dos ancestrais que também faz-se presente em sinal de mútuo
auxílio: elementos evidentes de circularidade e permanências.
A
concepção ocidental de um “deus do céu” que tão somente ouve as orações dos
seus devotos é inexistente.
A partir
do momento em que o material também é sagrado, e não necessariamente profano,
torna-se também divino, e apto para perceber a presença dos deuses.
Ainda
continua:
Em
relação aos homens, deuses e deusas desempenham um papel de pais divinos, e são
chamados, conforme o sexo, ‘meu pai’ (Baba mi) ou ‘minha mãe’ (Iyá mi). Cada um
deles é o eledá, criador de cada indivíduo específico, pois há uma estreita
identidade entre a divindade e seu ‘filho’ humano. Com efeito, uma parte de
cada ser humano também provém da mesma substância de que são feitos os deuses
(AUGRAS, 1983, p. 60).
Birman
(1985) complementa no que toca, ainda, numa comparação dos sistemas
tradicionais relacionados aos sistemas modernos e ocidentais:
Ora, para
se pensar alguém, algum costume, como menos evoluído do que outro, é necessário
ter em mente um critério comparativo. [E nesse caso] é a cultura do homem
branco, ocidental e dominante. Este é considerado mais racional que os caboclos
e africanos, moralmente mais evoluído que os exus e mais adulto que as
crianças. É assim que os espíritos são todos subalternos e inferiores em
comparação com a imagem ideal de homem e civilização que está implícita na
ordenação desse conjunto (BIRMAN, 1985, p. 45).
A
Umbanda, ocupando de certa forma uma posição marginalizada frente às crenças
oficiais ou institucionais, inverte valores e uma hierarquia socialmente
aceita, quando deixa de reverenciar um deus todo-poderoso e passa a deitar
sacrifícios a santos ou espíritos tidos como “atrasados” dentro de uma
mentalidade linear de crescimento espiritual, ascensão divina ou, simplesmente,
“evolutiva”. Tais valores “invertidos” a uma ordem socialmente imposta por uma
cultura dominante comprovam as hipóteses da existência de elementos de
longa-duração e adaptação dos valores tradicionais frente a uma mentalidade
moderna.
A Morte.
Segundo
afirma Linares (2009, p. 96): “A morte é
uma renovação. É preciso que se morra para que se possa renascer.”
Sobre o a
circularidade das almas e uma possibilidade evemerística, Bastide (1973)
comenta:
Os orixás
e os santos são pessoas que viveram antigamente; o ponto de partida dos dois
cultos [Catolicismo e Umbanda], por conseguinte, seria o mesmo, isto é, o
evemerismo; mas enquanto o católico canoniza os seus santos, o africano
desconhece a canonização; e, reciprocamente, enquanto o orixá se manifesta,
desce em seu ‘cavalo’ [incorporado], o padre católico interdiz as manifestações
dos seus santos (BASTIDE, 1973, p. 178).
Mais
adiante também descreve Bastide (1973, p. 179): “Mas os orixás morrem como os homens, só que seus espíritos se
reencarnam depois da morte”.
Ou seja,
o princípio tradicional de circularidade (inclusive dos próprios orixás) e não
o de evolução das almas aqui torna-se claro, ainda que sob as práticas da
Umbanda. Mesmo que o Orixá tenha sido humano um dia, e hoje não mais o seja,
não quer dizer que tenha evoluído, mas sim que passou por uma transformação,
até mesmo porque, através da incorporação dos devotos, continua voltando e
pisando periodicamente sobre o solo sagrado na qual certamente pisou outra vez:
a repetição de um eterno retorno.
Para os
nagôs, as concepções não são diferentes: “Em
ioruba, axexê significa origem.
Os ritos funerários são portanto
cerimônias de reintegração às origens do indivíduo, da comunidade e do mundo.” (AUGRAS,
1983, p. 92).
A Ancestralidade.
No
seguinte depoimento originalmente publicado no Jornal da Umbanda de outubro de 1952, percebemos interessantes
elementos relacionados a hereditariedade e uma tradição “vertical” do
conhecimento, citado em Linares, Trindade e Costa (2009, p. 25): “A Umbanda (...) pelos seus ritos, os
espíritos ancestrais, os pais da raça, orientam e conduzem suas descendências.”
A
valorização e culto, pelo coletivo, à uma ancestralidade em comum é elemento
inseparável das crenças africanas, e logo, também encontramos sem nenhum
espanto, igualmente presente nos terreiros afrobrasileiros.
Augras
(1983), ainda comentando sobre as comunidades nagô, também observa:
Os
ancestrais celebram um culto distinto. Na verdade, são dois tipos de culto. O
primeiro, celebrado nos templos dos orixás, mantém viva a lembrança das
sacerdotisas já falecidas, que são, mediante um ritual apropriado, o axexê, incorporadas no patrimônio espiritual
do templo. O segundo é totalmente diverso, e assegura a participação dos
grandes espíritos ancestrais, mais ou menos míticos na vida das comunidades.
Esses Manes, os Egun, possuem seus
templos específicos. (...) O culto dos Egun
cerca-se de mistérios, e o acesso é restrito. Poucas descrições são
encontradas (...) (AUGRAS, 1983, p. 64).4
Mais
tarde também observa Augras (1983, p. 65) que “Os Egun voltam à terra para beneficiar a comunidade com sua
experiência e sabedoria.”
Ou seja,
a partir dessa gama de concepções acerca da ancestralidade se pode traçar
visivelmente a longa-duração permanente nas estruturas tanto de práticas quanto
de crenças – a partir do momento em que uma será o reflexo da outra, bem como
reforçam as concepções gerais de circularidade abordadas no começo deste
artigo.
Ao entrar
no cemitério, o filho de fé (...) deve forrar o chão com sal grosso e colocar o
alguidar em cima. Em volta, deverá acender sete velas pretas e sete vermelhas,
molhando ao redor com o curiador da entidade ou então deixando-o no local, além
de charutos e cigarros para Pombagira. Enquanto faz a oferenda, o filho de fé
deve conversar com a entidade, pedindo ajuda e proteção. Quando terminar, dá o
paô (saudação a Exu). (...) Sobre essa oferenda, é derramado vinho branco doce
(...). Ao redor, acendem-se sete velas para Obalauiê (LINARES, 2009, p.
127).
Na
descrição acima, veremos que o culto descrito não é evidentemente aos
ancestrais em comum da tribo ou da família espiritual, mas a devoção será as
divindades relacionadas ao submundo, a morte e ao mundo ctônico, o que não
impede que o sacrifício das oferendas e das próprias orações dirigidas a essas
divindades, ainda possam constituir, sem dúvida, um desdobramento do culto aos
Mortos ou Ancestrais sagrados das sociedades tribais.
A própria
morte concebida como uma transição ou algo circular por natureza, não só evita
um “esquecimento” coletivo dos valores ancestrais, bem como incentiva-os
através de uma valorização e constante afirmação de identidade tradicional.
Sendo assim, passemos ao próximo elemento cosmogônico.
O processo de sincretismo ou
assemelhação das divindades.
Para
Bastide (1973, p. 160-161) “O sincretismo
não é nem um fenômeno recente, nem um fenômeno estritamente localizado.”
O
referido autor, nesse momento, exemplifica com o catolicismo primitivo que
unira sua hagiografia cristã aos mitos pagãos, também confessando em seguida
que não é um processo rígido nem cristalizado, e como tal, transforma-se e
adapta-se ao longo do tempo, bem como “Dá
lugar a novas identificações” (BASTIDE, 1973, p. 164), ou seja, uma
concepção de identidade em transformação.
Sendo
justamente o que vemos no Brasil essencialmente em dois momentos históricos
consecutivos.
E mais do
que isso, o autor (Idem, 1973, p. 172-173) também observa que o sincretismo é
uma relação de duas vias e não somente por parte da cultura marginal e
periférica, mas que a troca de elementos dá-se de uma cultura imposta para uma
marginal e vice-versa.
E ainda
que “o Catolicismo se insinua até na
mitologia, onde temas cristãos se inserem nas narrativas das aventuras dos
deuses africanos” (BASTIDE, 1973, p. 176).6
Continuando
sua análise sobre o processo de transição e adaptação, Bastide (1973, p. 177)
comenta uma possibilidade ou interpretação sociológica: “O Catolicismo se transformava, desde então, num meio de disfarce de
suas crenças tradicionais: na verdade o santo não era adorado, mas sim por trás
dele, o orixá correspondente. O Catolicismo não passava de uma fachada que
escondia um ritual secreto”.
E mais
adiante, ainda, arrisca-se em uma abordagem psicanalítica:
A
escravidão desenvolveu no negro um complexo de inferioridade; a religião do
branco faz parte de uma cultura superior, de uma cultura de senhores.
Projetando, por conseguinte, seus sentimentos religiosos de um orixá bárbaro a
um santo católico, de um deus de escravo a uma divindade de senhores brancos, o
negro elevava sua crença de um plano inferior para um superior. O sincretismo
seria, assim, um fenômeno de ascensão, desejando mais ou menos em surdina, um
drama do inconsciente (BASTIDE, 1973, p. 177).
Com base
nos pressupostos teóricos já apresentados anteriormente, não compartilhamos com
o autor dessa última abordagem, levando em consideração a dificuldade em
encontrar evidências de que o homem negro, frente a escravização e a violência
praticada em prol de uma negação da sua humanidade, conseguisse encontrar no
homem branco, elementos para inspiração religiosa, ainda que inconsciente,
conforme supõe o autor.
Mais do
que isso, queremos crer que tais concepções psicológicas e sociais
transformam-se ao longo do tempo – levando em conta os conceitos de “novas
identificações” e processos “não-recentes” já abordados pelo mesmo autor
anteriormente, culminando a posteriori,
em uma mentalidade em que os deuses tradicionais e os santos católicos não
serão mais do que a mesma coisa: “O
espírito de Iansã, disse-me ela, e o de Santa Bárbara são absolutamente o mesmo
espírito, que recebe nomes diferentes segundo as seitas” dissera uma
religiosa entrevistada pelo autor (Idem, 1973, p. 179).
Por fim,
concordamos com o que supõe depois disso, quando fala (BASTIDE, 1973, p. 181)
que “o sincretismo é uma representação
coletiva”, sendo justamente por isso que reflete na mentalidade e nas novas
identificações, porque não são percepções isoladas, mas comunitárias.
Iniciação e ritos de passagem.
Neste
breve depoimento religioso a seguir, vemos claramente a permanência das
estruturas de longa-duração das práticas e iniciações tribais que envolviam
ritos de passagem da transição do homem jovem para o adulto, bem como valores
de linearidade e transmissão do conhecimento tanto em verticalidade quanto em
horizontalidade7.
O Pai
Espiritual (Pai do Segredo) sacrifica uma ave (ou outro animal) quase sempre
velha (um galo velho, por exemplo) que simboliza a experiência do próprio Pai
Espiritual sobre o filho de fé. No sangue do animal sacrificado molha a lâmina
e o cabo da faca e faz com que o filho, pela primeira vez, faça também um
sacrifício animal, cuja escolha geralmente recai sobre um frango novo, e a
oferenda sempre é dedicada a Exu. Após esse corte simbólico, o vínculo que
existe entre o velho e o novo chefe de terreiro candomblecista se altera, pois
o jovem, a partir desse momento depende menos de seu iniciador (LINARES et al. 2009 p. 122).
A
iniciação é ferramenta social importante, pois insere o indivíduo dentro da sua
comunidade, interando-o dos valores corretos para uma boa conduta para com os
homens e os deuses – conhecimentos, esses, que não cessam com o rito de
passagem, mas que continua ainda por toda uma existência: “A iniciação, diz um texto peul,
começa ao entrar no curral e acaba na tumba” (AGUESSY, 1981, p.
20).
A
iniciação representa uma instituição capital para a informação e para a
formação do indivíduo. É através dela que ele tem acesso às categorias
vegetais, minerais, animais e humanas tal como cada sociedade as representa na
sua linguagem. É ela que lhe permite ultrapassar o conhecimento vultar dos
valores e que a sociedade se agarra, aprofundando o seu porquê. Assim, o
cidadão deixa de ser um errante (um ahe, como dizem os Fó) e torna-se um homem
total, desabrochado, conhecendo o início da produção dos valores e instituições
ou talvez até sua origem (AGUESSY, 1981, p. 21).
A valorização do coletivo sobre o
individual.
É
entendido que o “Reconhecer como irmãos
de sangue, os meus irmãos de crença” (LINARES et al. 2009 p. 128) é uma
parte do juramento do Umbandista.
Sem
dúvida, o conceito tribal de “sangue” ou “família” no sentido de fazer-se parte
de um conjunto de valores, crenças e práticas aqui continua fazendo-se mais
importante que uma concepção moderna de hereditariedade tão somente no sentido
“físico”.
Quando
percebemos alguns valores, tais como o dever da “caridade” (BIRMAN, 1985, p.
52) vemos que o discurso afro-brasileiro não rompe, de todo, com uma
mentalidade moderna ou hegemonicamente aceita – como é o caso da prática da
caridade, também pregada pelo catolicismo e pelo espiritismo -, mas que
adapta-se aos valores de uma cultura dominante, trazendo através do sincretismo
e da justaposição, suas práticas tradicionais (cosmovisão baseada na
circularidade, valores “de sangue”, etc.) com a cultura ocidental.
Sobre o
sentido de comunidade, Lópes e Nash (2003, p. 18) corroboram com as
interpretações acima: “A sociedade
africana como tradição de longos milênios nunca se ajustou para uma vivência
individual. O coletivo foi sempre a máxima prevalecente na vida. Por isso, a
vida é animada porque tudo é feito ou produzido em benefício da comunidade
inteira.” (LÓPES; NASH, 2003, p. 17).
Depois
ainda complementam: “A socialização e
solidariedade funcionam tão bem como um interdito ancestral que nem mesmo a
presença estrangeira conseguiu apagar suas marcas. Tudo é no sentido de que a
socialização não acontece no individualismo e sim no coletivo” (Idem, 2003,
p. 18).
Concluindo.
Com base
nas concepções exploradas e desdobradas ao longo do artigo, podemos concluir,
não sem pouca dificuldade de análise comparativa e historiográfica, que a visão
de mundo africana é essencialmente cíclica e circular.
A vida e
a morte são entendidas como um ciclo, intercalando-se num jogo universal vivo,
extático, dinâmico e coletivo.
As
concepções de tradição como algo fixo e imutável, já foram devidamente
esclarecidas, bem como as abordagens criteriosamente explicadas corroboram com
essa desconstrução de conceitos equivocados.
Compreendemos,
por fim, que os aspectos tradicionais abordados ao longo do trabalho são
essenciais dentro das cosmovisões africanas, e ainda que independentes, formam
toda uma teia do modus vivendi do ser
africano, em ordem e perfeição.
Já
dissera Oliveira (2003, p. 369): “Havendo
uma transgressão que desagregue a ordem social, não só a comunidade se
ressente, mas também as divindades e antepassados que, no plano espiritual,
velam para que essa ordem seja mantida”, o que expressa, de todo, nossa
opinião.
Para saber mais sobre o assunto.
AGUESSY,
Honorat. Visões e percepções tradicionais. In: KI-ZERBO, J. História Geral da África. São Paulo: Ática, 1981.
v. I.
AUGRAS,
Monique. O duplo e a metamorfose: A identidade mítica em comunidades nagô.
Rio de Janeiro: Petrópolis, 1983.
BASTIDE, Roger. Estudos Afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1973.
BIRMAN, Patrícia. O que é Umbanda. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2005.
LINARES, Ronaldo Antônio, TRINDADE, Diamantino, COSTA Wagner. Iniciação à Umbanda. São Paulo: Madras, 2009.
LÓPES, Maricel Mena e NASH, Peter Theodore. Abrindo sulcos: Para uma teologia afroamericana e caribenha. 2. ed. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2003.
OLIVEIRA, Vicente Geraldo Amâncio Diniz. Cultura material, oralidade e simbologia. Existe uma filosofia em África? Scripta, Belo Horizonte: v. 7, n. 13, p. 368-373, 2º sem. 2003.
VANSINA, J. A. Tradição Oral e sua Metodologia. In: KI-ZERBO, J. História Geral da África. São Paulo: Ática, 1981. v. III
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